Poeta Gabriel Nascente, a poesia na rua. *
Não me deu procuração.
Nem se mostrou amargo ou infeliz. O poeta Gabriel Nascente, no dia do seu
aniversário de onírico aquariano, me confidenciou que fora enxotado do pequeno
cargo comissionado que ocupava no Tribunal de Justiça de Goiás. Aposentado no
município com um salário irrisório, orgulhava-se do novo posto que direções
anteriores do Tribunal lhe haviam dedicado. Tenho conhecimento de que aquela
comissão não o fizera rico, nem ultrapassava os limites de rendimentos
consentidos no poder judiciário nem nos escalões luminosos da República. Coisa
menor, mas importante para o poeta. Não só pelo aporte financeiro, mas pelas
funções que exercia com amor e disposição generosa. Organizava exposições de
artes, trazia acadêmicos da ABL para palestras e encontros com intelectuais
goianos. Aos poucos ia construindo uma pinacoteca naquele órgão judicial,
acostumado ao juridiquês, ou demandas, discussões sobre crimes e quizilas
familiares. Pouco poéticas, já que o vate, por sua formação aérea não sabia
decidir os feitos, mas apenas chorar o destino sofrido da humanidade, o encanto
das musas. Daí o poeta ser dispensável. Mesmo ministrando ao Tribunal uma face
de beleza e humanidade. Também em todo lugar onde se precisa cortar, descer o
pau, havendo poeta, é sua cabeça de astros que deve receber a borduna. Mesmo
sem lamentar a perda ou me pedir, não posso deixar de ser solidário. Temos uma
irmandade, não só da poesia, mas de uma encruzilhada de nossas vidas. Por volta
de 1958 nos encontramos. Gabriel, recentemente órfão, na prole de Dona Antônia
com seus sete filhos; eu, também órfão sob as asas de minha mãe, com récua de
seis, sozinha de abandono. Nunca mais nos separamos. Rimos, quando o riso foi
possível; choramos quando naufragados pelas lágrimas. O destino comum de
condenado ao jugo das ideias e das palavras. Sem nada poder para mudar a ordem
que se impôs ao mundo, resta-me abraçar o poeta, digno e sereno frente à
adversidade. Afinal, o que pode almejar o poeta, se já tem a coroa do poema, a
glória do impertencimento, a honra de amar o pobre homem em sua solidão? Cabe o
estandarte do sofrimento, a glória da descrença e coragem de ser triste. É claro
que fazem falta as coisas do mundo, mas muito mais falta faz as vestes da alma
sobre os ossos. Essas vestes inconsúteis não ficaram No Tribunal. Vestem sua
diminuta e álacre figura pelas ruas de Goiânia.
*Aidenor Aires, escritor, presidente da Academia de Letras de Goiânia