domingo, 28 de janeiro de 2018

Poeta Gabriel Nascente, a poesia na rua






Poeta Gabriel Nascente, a poesia na rua. *

Não me deu procuração. Nem se mostrou amargo ou infeliz. O poeta Gabriel Nascente, no dia do seu aniversário de onírico aquariano, me confidenciou que fora enxotado do pequeno cargo comissionado que ocupava no Tribunal de Justiça de Goiás. Aposentado no município com um salário irrisório, orgulhava-se do novo posto que direções anteriores do Tribunal lhe haviam dedicado. Tenho conhecimento de que aquela comissão não o fizera rico, nem ultrapassava os limites de rendimentos consentidos no poder judiciário nem nos escalões luminosos da República. Coisa menor, mas importante para o poeta. Não só pelo aporte financeiro, mas pelas funções que exercia com amor e disposição generosa. Organizava exposições de artes, trazia acadêmicos da ABL para palestras e encontros com intelectuais goianos. Aos poucos ia construindo uma pinacoteca naquele órgão judicial, acostumado ao juridiquês, ou demandas, discussões sobre crimes e quizilas familiares. Pouco poéticas, já que o vate, por sua formação aérea não sabia decidir os feitos, mas apenas chorar o destino sofrido da humanidade, o encanto das musas. Daí o poeta ser dispensável. Mesmo ministrando ao Tribunal uma face de beleza e humanidade. Também em todo lugar onde se precisa cortar, descer o pau, havendo poeta, é sua cabeça de astros que deve receber a borduna. Mesmo sem lamentar a perda ou me pedir, não posso deixar de ser solidário. Temos uma irmandade, não só da poesia, mas de uma encruzilhada de nossas vidas. Por volta de 1958 nos encontramos. Gabriel, recentemente órfão, na prole de Dona Antônia com seus sete filhos; eu, também órfão sob as asas de minha mãe, com récua de seis, sozinha de abandono. Nunca mais nos separamos. Rimos, quando o riso foi possível; choramos quando naufragados pelas lágrimas. O destino comum de condenado ao jugo das ideias e das palavras. Sem nada poder para mudar a ordem que se impôs ao mundo, resta-me abraçar o poeta, digno e sereno frente à adversidade. Afinal, o que pode almejar o poeta, se já tem a coroa do poema, a glória do impertencimento, a honra de amar o pobre homem em sua solidão? Cabe o estandarte do sofrimento, a glória da descrença e coragem de ser triste. É claro que fazem falta as coisas do mundo, mas muito mais falta faz as vestes da alma sobre os ossos. Essas vestes inconsúteis não ficaram No Tribunal. Vestem sua diminuta e álacre figura pelas ruas de Goiânia.


*Aidenor Aires, escritor, presidente da Academia de Letras de Goiânia

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