Aidenor Aires
Ali corria um córrego. Depois um fio de água. Hoje nada. Assoreou. Mas as gameleiras, angicos, imbaúbas, guapevas, brotos de aroeira, jatobazeiros, ipês, resistem. No verde das árvores e do chão reina aveludada a braquiária e algumas moitas de colonião, alienígenas, sustento da cultura goiana. Algumas árvores novas, plantadas à nossa escolha, nas voçorocas que não foram loteadas e vendidas, sufocam o atrevimento de capim jaraguá e meloso, restantes. É a lição dada aos menininhos no dia da árvore. Plantamos nossa mudinha. Vamos dormir surdos ao rosnado das motos serras. Não tenho carteirinha pra falar de meio ambiente. Disso, sei pouco. Mas, fiz estilingue, bodoque, cabo de enxada e todos os meus brinquedos. Também devo às frutas do campo, aos lambaris e tambiús, aos galhos das árvores, os nutrientes e o corpo que me trouxeram até aqui. Fruta de ema, gabiroba, mama cadela, articum, cagaita, gravatá, colhia-se no cerrado ralo, de um ou dois pelos. Ingá, bacopari, veludo branco, vermelho, guapeva, jaracatiá, banha de galinha, jatobá, era nas matas beirando o Botafogo, Anicuns, Meia-Ponte, João Leite. Conservo uma relação útil e afetiva com estas coisas, legitimada por minha infância pobre perdulária de liberdade. Carmo Bernardes, que conhecia como ninguém, a textura, serventia e sabor, de todas as coisas do cerrado, com seu jeitão de socó espiando piaba, a mão no bolso, um pouco enviesado, e os olhos lá na frente, lecionava: - Companheiro, escrever tem que servir pra alguma coisa. Para ajudar o mundo, para melhorar o ser humano. E, um pouco lírico: - Nós somos feitos de tudo que existe: ar, os sais da terra, a água. O sol e chuva. A vida que está na formiga, na árvore, no pássaro é a mesma. Qualquer ferida em um desses vizinhos da cadeia da vida acaba doendo em nós. É por isso que volto ao assunto. O bosque que havia no território do Jóquei Clube, na Anhanguera com a Rua Três. Arrasaram tudo neste fim de ano. Ficou o buraco. O silêncio. Alguém justificou o desmatamento: Aquilo era propriedade privada. Pedro Ludovico que ali brincou carnavais e exibiu engomados ternos de linho branco ao som de La Cunparsita, não pensava em fim tão aristocrático. Pedro revolve-se no túmulo. Com ele, estrebucham D. Gercina, Venerando de Freitas Borges, Colemar Natal e Silva Amália Hermano e seu Maxi. Mesmo com a conivência das autoridades e seja legal, como os cartões de crédito que o governo dá para a farra de seus ministros, é crime contra a cidade e a natureza. Nem é preciso saber nomes dos envolvidos. Há um argumento padrão, irresistível: O país está cheio de crimes maiores. O que significam umas árvores? As lembranças de quem gostava delas? Uns micos que saltavam nos galhos? Uns passarinhos tolos que teimavam em incomodar os ouvidos da gente? Ou mesmo um pouquinho de beleza? O gosto excêntrico de respirar oxigênio? O dinheiro tudo resolve. Aqui e agora... Porque a Dona História não perdoa. E, ainda, leitores, creiam, pode haver o Inferno.
Um comentário:
É bem verdae tudo que explicita nesta poesia ,tamanha semelhança em nossa triste e atual estória.Onde (também em Riachão das Neves )acontece coisas de outro mundo,o mundo dos coronéis,poder e abusos que naquelas bandas ainda insistem em coexistirem.Falar dos sentimentos que estão em nossas cabeças, da infância ,da vida em si ,vida plena mesmo,com atitudes de bondade...è tão ruim assim falar em bondade,amizade,honestidade????...conceitos hoje em dia imcompreendidos,distorcidos pelos jovens e ignorados pelos adultos,sempre apressados e loucos,desprovidos de virtudes.Parabéns por ter uma visão decente da indecente realidade e escreve-la de forma gostosa de se ler.
Conheceste minha mãe a Lú de Canudos,mas já tentamos falar contigo ...afim de aumentar meus conhecimentos e quem sabe despertar alguma idéia,quem sabe?
Arakem Carvalho de Miranda-42 anos
fone: 12-39124233 site :www.tapuiasarapo.org.br
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