segunda-feira, 2 de junho de 2008
AÍ VEM O ESTADO DO SÃO FRANCISCO - Parte Final
VEM AÍ O ESTADO DO SÃO FRANCISCO
domingo, 18 de maio de 2008
CELULAR PERDIDO
Como sarna, o celular alastra-se. Mais uma inquietação. Interrompe conversa. Atrapalha enterro. Assusta a missa. Apêndice incômodo. Tudo no corpo tem seu lugar: chapéu para cabeça; sapato para os pés; luvas para as mãos. Mas celular não é coisa humana. Incômodo das prestadoras que amarram o vivente em suas contas e não soltam mais. Humano não foi feito para celular. Não pode ser pendurado nas orelhas. Não é sexy. Não é viril. Mas não consegui ficar fora da besteira geral. Adquiri um. Já são três ou quatro. Estão sempre lançando novos e tornando os velhos imprestáveis. Vejam o que me aconteceu. Ia à Feira de domingo na Vila Nova. Já fui feirante. Até hoje dói uma escoliose de carregar, sobre a coluna ainda tenra, caixas de tomate, mandioca, inhames... As mais pesadas do comércio de verduras. Não sei pra que celular na feira. Só para a mulher ficar ligando e acrescentando itens na lista de compras. Olha, não esqueça o piqui, a gueroba... No meio dos esbarrões, perdi o maldito aparelho. Só dei conta quando abria as sacolas. Alisava a cintura, apalpava os bolsos. Nada. Exalou-se o intruso já feito de alguma amizade. Aflito, comecei a telefonar para o meu número. Lá pras duas da tarde, uma voz respondeu irritada: - Quer parar de me incomodar? Estou trabalhando e você não para de telefonar! Respondi humilde ao arrogante telefonista: - Amigo, você encontrou meu celular. O único jeito é chamar, não? Do outro lado, repreensões: - Escuta moço. Eu achei o seu celular. Não roubei. Não sou ladrão. Sou evangélico. Foi Deus que pôs ele no meu caminho. Só entrego se me der um dinheiro. Ponderei, diante da extorsão, que perdera o tal celular na feira, que poderia dar uma gratificação. Dissesse-me onde encontrá-lo para resgatar o miserável. Do outro lado, a voz impôs condições: - Agora não posso. Estou em Anápolis. Se quiser, posso entregar à noite, na Praça da Bíblia. Mas são cinqüenta pratas. E não precisa ficar ligando. Ás oito da noite eu te ligo pra marcar o lugar da entrega. Após o diálogo nojento me aquietei. Liguei para a prestadora e pedi o bloqueio da linha. Já tinha me esquecido da porcaria, quando o cidadão me chama, por volta de sete e meia da noite, instruindo: - Não te falei que não sou ladrão? Vou entregar seu celular. Esteja na Praça da Bíblia em dez minutos. Estou pegando o ônibus para Caldazinha. Como não sabia este endereço, pedi que ficasse no Frango Gostosão. Afinal, ali é mais claro. Saí correndo. Dez minutos... Bordejava a praça, Tânia ao volante e eu perquirindo sombras. Na luz do frango assado, Gostosão vejo uma figura curvada ao peso de um saco sujo. Gritava e gesticulava. Estou aqui. Sou o Romualdo. Estou com seu celular. Já estava íntimo. Veio sorrindo. Entreguei-lhe uma nota de cinqüenta, passou-me o aparelho e ainda me deixou uma admoestação severa: - Por que você foi bloquear a linha? Não confia em mim não? Já disse que não sou ladrão. Sou evangélico. Agradeci. Peguei o celular. E resmunguei: - Não se esqueça do dízimo do pastor!
quinta-feira, 24 de abril de 2008
PEDRO E SEU CAVALO (Parte final)
Voltando ao Cavalo de Pedro... Fosse o Cavalo de Tróia teria adentrado os arraiais e soltado seus guerreiros. Mas é o cavalo de Pedro. Sem lugar. Mas com certa elegância. Pedro sorri como se fosse ao Jóquei Clube para dançar um tango. Se ainda houvesse Jóquei. Caminhando até o Casablanca ver um filme de caubói, se houvesse Casablanca. Na serrinha, menos incômodo para a casa das esmeraldas, para a casa das campinas, longe dos poderes. Depredado, ofendido, humilhado, padecerá pichações, insultos e incêndios. Afinal, ali resta ainda um pouco de cerrado. Deveria ser um parque. Fica a Praça Cívica, com nome de Pedro. Talvez sobrevivam entre os estacionamentos, os pivetes e lavadores de carro que loteiam as ruas, as portas das igrejas, os salões de festas, os teatros. Como a gente de cima privatiza o dinheiro público, a merenda dos meninos, os remédios dos velhinhos, os buracos das estradas; a fome da ralé, os miseráveis privatizam o que podem. O monumento logo sofrerá esta ação dos reformadores sociais das ruas. Será ocupado: trouxas, carrinhos, meninas prenhes, moleques com chuços para pequenos assaltos. Goiânia já não cabe Pedro. Talvez porque tenha vindo a cavalo. Se fosse no fordinho, na camionete Chevrolet vermelha, ou mesmo pedestre andarilho, certamente poderia se esgueirar pela deserta Avenida Goiás remasterizada e nua. Poderia se escorar entre as casas derrubadas da Rua Vinte. Seria mais fácil passar despercebido sem ofender a inveja dos incapazes de gerar um sonho. Vão estragando o alheio, ciscando lixo dos outros. O Governo encarregou a artista de erigir uma estátua para ficar no vento, sem moradia. Porque ninguém atenta para um lugar onde pousar o brônzeo eqüestre, inquietante memória de Pedro. Lembram até plebiscito. A hospedagem natural seria a Praça Cívica. No coração de sua cidade. Arquitetos e paisagistas sabem como resolver problemas de espaço e ambientação. Ali, defronte o Palácio Pedro Ludovico. Bem na entrada. Não serve? É discrepante a figura com o colosso envidraçado ou os janotinhas engravatados? Então deve ser ali, canto direito da Praça Cívica. Onde o Prefeito Íris fez uma sede provisória para a administração e vai se tornando definitiva. Basta derrubar o retângulo provisório, reaparelhar a praça, incluindo ali o Monumento, como sucede em qualquer cidade. Um lugar nobre para a memória do fundador. O que não pode é Pedro ficar vagando, alma penada, sem lugar para sua figura ou pasto para seu cavalo. Medida extrema: coloquem Pedro e seu cavalo na porta da sua casinha museu. Mesmo abandonada, como anda, lembra o homem que é o único culpado por não haver lugar, na cidade que fez para sua estátua. É culpado de ter morrido pobre. Não ocupou ou praças, vales, loteamentos. Podia ter reservado umas quadras. Viveu na modesta casa à sombra de dois mognos. Por isso, não resta a Pedro senão a dura pedra. Uma porta de rua, onde amarrara o sonho, único espaço, pasto possível para amarrar, agora, seu cavalo. Publicado no Diário da Manhã do dia 25.04.2008
PEDRO E SEU CAVALO - II
terça-feira, 15 de abril de 2008
CONGRESSO DE POESIA
(Inédito)
O amor
Para dizer que existe, o amor
pousou em minha janela
sua asa triste.
O vendedor de facas
O poeta dispensa
a mercancia.
Amargo punhal
é a poesia.
E para descarnar
o poema
só basta a pena.
Congresso de poesia
Interromperam a função:
foram ao brechó
buscar poetas em desusoe musas de segunda mão
domingo, 13 de abril de 2008
PEDRO E SEU CAVALO
sexta-feira, 14 de março de 2008
JOSÉ LOPES RODRIGUES - O CENTENÁRIO DO POETA
O BANDEIRANTE E A MEMÓRIA
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
DESENCANTAMENTO
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
DEIXEM O BANDEIRANTE EM PAZ
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008
HAVIAM DEZ ÍNDIOS SENTADOS
dez índios sentados.
Eu vi dez índios molhados
da selva amazônica
sentados em Sukua.
Os índios não estavam bêbados,
não estendiam as mãos aos turistas,
não pediam aos frios passantes
quinquilharias de plástico,
obséquios eletrônicos
nem a doce embriaguez
da pax americana.
Eu vi dez índios sentados.
Foi em Sukua,
sob o céu de Morona Santiago,
no convulso e vulcânico Equador.
Dez índios com suas lanças,
dez índios com suas tintas
da cor do sol da manhã.
Com lanças de sangue abrem
na selva um rio sem nome,
um rio de liberdade
no peito de cada homem.
Fazem um ofício de guerra:
ensinar passo e encontro
nos descaminhos da selva.
Eu vi dez índios sentados,
os dedos na tipewriter
e a esperança na mão.
Pela distância ensinavam
com alfabetos e letras
palavras novas e antigas
que são águias disparadas
contra o ninho da opressão.
Eu vi dez índios sentados.
Senhores podiam ser
de seus destinos antigos.
Eu vi dez índios sentados
e conto à América este fato.
Conto aos índios,
conto aos brancos,
com a certeza feroz
de que uma nova lição
se pode colher segura
das tintas deste retrato.
Eu vi dez índios sentados
e disso faço notícia,
bajo el cielo azul de Sukua,
en Morona Santiago,
del dulce y convulso Ecuador.
INFERNO CELULAR
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
Elegia X
O Riachão das Neves fala comigo
em suas funduras.
O verde vale
de acolhimento vulcânico
tresanda a cana, mel
e terna rapadura.
Ainda sigo os asnos insolentes
nas cacimbas,
as ruas estreitas, casas genuflexas
endereçadas aos solilóquios tristes.
Por ali passou meu avô André
pastoreando cobras,
ordenhando peçonhas,
convencendo os répteis
ao homizio das furnas.
Ninguém guardou seus exorcismos,
suas benzeções, sua simples magia
de pescador e santo.
No angical,
enlaçado de raízes,
repousa o mago André, o herbolário.
Há pouco, campeava o pé-duro xucro nos gerais.
Há pouco, consultava o bornal de curas.
E ia reunindo as cobras benfazejas,
convertendo-as á paz,
evangelizando-as para a aceitação
dos humanos imperfeitos.
André passava a mão sobre as cabeças dos filhos
e procurava limpar seus horizontes.
André padecia, discreto,
a dor futura dos filhos
ao peito pressentida, em secreto.
Quando André quis morrer,
mandou buscar os tambores
da Folia do Divino.
Zumbou a zabumba. Tiniu a viola.
Sofreram os cantos da despedida.
Quando fez silêncio a liturgia santa,
André recolheu, contrito, sua alma humilde.
Naquele entardecer
o gado pé-duro lamentou.
O marruá gemeu, cavou a terra,
olhou choroso o poente
e as vacas, orfeônicas, prantearam
até se apagar a luz do dia.
Réquiem para um bosque
Aidenor Aires
Ali corria um córrego. Depois um fio de água. Hoje nada. Assoreou. Mas as gameleiras, angicos, imbaúbas, guapevas, brotos de aroeira, jatobazeiros, ipês, resistem. No verde das árvores e do chão reina aveludada a braquiária e algumas moitas de colonião, alienígenas, sustento da cultura goiana. Algumas árvores novas, plantadas à nossa escolha, nas voçorocas que não foram loteadas e vendidas, sufocam o atrevimento de capim jaraguá e meloso, restantes. É a lição dada aos menininhos no dia da árvore. Plantamos nossa mudinha. Vamos dormir surdos ao rosnado das motos serras. Não tenho carteirinha pra falar de meio ambiente. Disso, sei pouco. Mas, fiz estilingue, bodoque, cabo de enxada e todos os meus brinquedos. Também devo às frutas do campo, aos lambaris e tambiús, aos galhos das árvores, os nutrientes e o corpo que me trouxeram até aqui. Fruta de ema, gabiroba, mama cadela, articum, cagaita, gravatá, colhia-se no cerrado ralo, de um ou dois pelos. Ingá, bacopari, veludo branco, vermelho, guapeva, jaracatiá, banha de galinha, jatobá, era nas matas beirando o Botafogo, Anicuns, Meia-Ponte, João Leite. Conservo uma relação útil e afetiva com estas coisas, legitimada por minha infância pobre perdulária de liberdade. Carmo Bernardes, que conhecia como ninguém, a textura, serventia e sabor, de todas as coisas do cerrado, com seu jeitão de socó espiando piaba, a mão no bolso, um pouco enviesado, e os olhos lá na frente, lecionava: - Companheiro, escrever tem que servir pra alguma coisa. Para ajudar o mundo, para melhorar o ser humano. E, um pouco lírico: - Nós somos feitos de tudo que existe: ar, os sais da terra, a água. O sol e chuva. A vida que está na formiga, na árvore, no pássaro é a mesma. Qualquer ferida em um desses vizinhos da cadeia da vida acaba doendo em nós. É por isso que volto ao assunto. O bosque que havia no território do Jóquei Clube, na Anhanguera com a Rua Três. Arrasaram tudo neste fim de ano. Ficou o buraco. O silêncio. Alguém justificou o desmatamento: Aquilo era propriedade privada. Pedro Ludovico que ali brincou carnavais e exibiu engomados ternos de linho branco ao som de La Cunparsita, não pensava em fim tão aristocrático. Pedro revolve-se no túmulo. Com ele, estrebucham D. Gercina, Venerando de Freitas Borges, Colemar Natal e Silva Amália Hermano e seu Maxi. Mesmo com a conivência das autoridades e seja legal, como os cartões de crédito que o governo dá para a farra de seus ministros, é crime contra a cidade e a natureza. Nem é preciso saber nomes dos envolvidos. Há um argumento padrão, irresistível: O país está cheio de crimes maiores. O que significam umas árvores? As lembranças de quem gostava delas? Uns micos que saltavam nos galhos? Uns passarinhos tolos que teimavam em incomodar os ouvidos da gente? Ou mesmo um pouquinho de beleza? O gosto excêntrico de respirar oxigênio? O dinheiro tudo resolve. Aqui e agora... Porque a Dona História não perdoa. E, ainda, leitores, creiam, pode haver o Inferno.