COMPANHEIRA
Aidenor Aires
A morte nunca me foi estranha. Sempre
companheira, desde os dias da infância. Colheu meninos ainda verdes dos pomares
nos dias pueris, ameaçou-me com engodos e doçuras, e foi protelando, ao longo
dos dias sua fome por mim. Talvez sobejasse meu corpo magro, minha insípida
carcaça alimentada a beiju de mandioca e leite de cabra. Foi me deixando passar
como sombra imperceptível. Cuidou de outros mais importantes, com mais sustança
e haveres. Deixando-me de lado, foi, seletiva, carregando gente de melhor
ossatura, musculação e massa cerebral. Assim me poupou a dor suprema, aleijão
da espécie humana. E foi me entregando, aos poucos, seu cálice amargo. Levou o
pai, a mãe, as irmãzinhas lactentes, parentes, aderentes e muitos da
fraternidade dos amigos. Até gente distante, feridos de desastres e tragédias,
foram arrastados, doendo em secura a cacimba dos meus olhos, os mananciais de
minha alma pobre. Insidiosamente, quase impalpável, a velha senhora de trágica
elegância e ferino trato, foi erodindo com sua presença o vazio do meu corpo e
a sombra bruxuleante nele embarcada. Sempre procurou se disfarçar com passos
sorrateiros ou surpreender com golpes imprevistos. Todas as subtrações não viraram
perdas. Saíram do mapa visível e passaram a habitar meus recessos ocultos de
lembranças. Daí emergem nas horas auroreais, nos crepúsculos plúmbeos, nas
noites feéricas para exultarem em suas vidas de sonhos e lembranças. Como
aqueles habitantes do Hades, padecem de corpo e substância, e só podem existir
no afeto e na memória, e só podem falar nos lábios dos vivos que carregam suas
histórias. Hoje estou, mais uma vez, sob o lancinante golpe da Velha Senhora. Desta vez, ela percorreu os planos do sul do
Brasil, galgou a Cordilheira dos Andes, esfriou sua adaga nas alturas geladas e
foi pousar na terra generosa de Melipilla, doce e sísmico Chile. Sem
consideração pela ternura e pela beleza, arrastou meu amigo, poeta Jaime
Romanini Gainza. Ainda pouco estivemos juntos, aí na Terra dos Quatro Espíritos,
rincão das frutas, das vides, dos vinhos e dos sempre louvados lácteos. Desde
Goiânia, onde veio com uma delegação de sua terra para um encontro cultural,
até sua província, nos encontramos várias vezes. Foi presidente do ATENEO
Francisco Gonzales, instituição longeva com importante atividade cultural. Em
todos os eventos a que comparecemos em Melipilla, me admirava sempre sua
atividade, entusiasmo, contrastando com um comportamento calmo, amistoso e
acolhedor. Falava em tom sussurrante, baixo, como costumam falar os chilenos. A
última vez que nos encontramos, quando já me preparava para sair rumo ao
aeroporto, sou alertado pela recepcionista do hotel. Lá estava Romanini, com
uma esplêndida garrafa de pisco que me entregou como homenagem e lembrança. Ela
ainda está aqui. Quando resolver toma-la, sem dúvida, estarei invocando a presença
amiga e generosa do poeta. Descendente de italianos, trazia de seus
antepassados muitas influências e de vez em quando escapava para a terra de
Dante, em reencontro com suas raízes europeias. Empresário e líder cultural,
era sobretudo poeta. Publicou vários livros, entre eles: Imaginária, Babel
e Desdibujado,
além de outros títulos e
contribuições em jornais e revistas. Competente no uso da palavra, sua
temática ia das preocupações teológicas, como em Babel; e à estuância do amor,
liricamente extasiado entre a afeição e a morte. Esta foi mais uma vez e em que
Ela vai podando meus brotos e ramos, vai ferindo meus galhos, talvez para que
me recorde que ela está por aí vigilante e à espreita. Se de um lado e
apequena, de outro infla meus alforjes de memória, onde passa a morar agora
também Jaime Romanini Gainza. Para
lembra-lo, transcrevo alguns versos seus, onde parece visionário na percepção
antecipada da morte.
COMPAÑIA
Muerte
que que vienes a quedarte.
Muerte
que vienes com gélido abrazo,
Muerte
de mirada oscura.
eterna
compañera.
Cambia
tu ceño adusto
por
uma suave sonrisa.
Baña
com ternura
lo que alcance tu mirada.
Muerte
que vienes a quedarte,
haz
mas fácil tu llegada,
No
olvides que nuestra companhia
dura
tu vida entera.
HÁ
LLEGADO
Mis
huesos pesados,
mis
músculos rígidos,
mi
corazón no late.
La
espera há terminado...
Aún
siento los pájaros,
El
viento y el sol,
Pero
mi vista ya no ve,
Mi
corazón no late.
Sin
embargo... estoy tranquilo,
El
fin de mi largo caminho... há llegado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário