segunda-feira, 30 de abril de 2018





ADEUS A JOSÉ MENDONÇA TELES
                                                                 *


Viver mais um dia. Ver os dias emagrecendo, encurtando, exaurindo. Não perdem o brilho os dias despertados pela aurora, esplendentes ao sol do meio céu, nem no escuro sanguíneo dos ocasos do planalto. Os dias vão se ofuscando nos olhas derramados para a sequiosa pátria do retorno. Vão escorregando nas mãos que adeusam resvalando, fugindo implacáveis entre nossos dedos. Os dias fatigados morrem nos meninos mortos, nas flores murchas, nos amores destroçados, no ruir dos gestos, dos sorrisos e do pulsar dos amigos. Há os que partem sem haveres ou bagagens. Há, porém, os que vão carregados de leveza e pluma. Não levam cofres, rebanhos. Mais uma vez estou aqui, não cansado, mas só e entristecido o ocupando o púlpito da despedida. Partindo em suas vestes cândidas o amigo, poeta e homem fraterno, Jose Mendonça Teles, filho da doçura musical e estóica de D.Celuta; irmão de muitos irmãos, amigos de muitos amigos. A vida não desembarcou de uma vez em sua estação definitiva. Impôs-lhe a via dolorosa, o caminho acúleo de sarças e pedras. Apontou os carrascais de dor sem caminho, sem palavras, sem sorrisos. Duras penas.  Coroá-lo com o louro sangrento dos poetas. Cantou, abraçou, sorriu na ágape solidária, desmerecendo a amarga ambrosia dos momentos súplices. Mas os olhos postos na indefinição das visões anunciam que é chegada a final libertação dos ossos, da carne para galgar degraus ajardinados de transcendência. Agora, meu amigo José Mendonça escapa, num gesto maroto, bem do seu feitio, do mapa perecível.Com sua bagagem diáfana de poemas, livros, alfarrábios e jornais vai zombando da dor exilada, espalha luzes que seguirão passos futuros jamais interrompidos pela “indesejada das gentes”. Mais ainda, que as palavras aladas, carrega em estelas escorrendo de suas mãos aqueles afetos, aquele dar-se em coragem, ensinamentos e apoio. Escreveria um livro em testemunho do que o vi passar. Passar comigo, com seus parentes e afins, com seus amigos. Talvez um dia enumere aqueles momentos que, não houvesse uma obra literária haveria uma inelutável obra humana. Muitos leitores sabem do que estou falando. Quando me passe a dor deste transe e venha palavra capaz em minha boca falarei disso em honra ao filho de D. Celuta, pai da artista Alessandra, da professora Giovana, esposo de D. Ana e pai de muitos filhos herdados dos leitos solertes da vida. Agora, porém, sem que não será esquecido. Está dissolvido nas ruas da Campininha, nas águas do Araguaia, na canção da chuva, nas ruas da Cidade do “Ó/Cio, em cada fachada art- decò, em cada sítio de memória de Goiânia. Não há que se falar em morte ou desaparecimento do Zé Mendonça. Sua Alma será sempre Matutina. Irá amanhecendo com o tempo que, antes de escondê-lo, revela-o no mapa intangível. Viverá propicio, alegre e trêfego o Zé Mendonça quando nos reunirmos para celebrar a vida e a alegria, quando erguermos uma taça de vinho, quando formos a Pirenópolis e aplaudirmos as pastorinhas. Estará vivo para além de nossas lembranças. Estará ao lado de Joaquim Thomaz Jayme batucando o rítimo evocativo do Hino de Goiás. Estará nas solenidades, nas festas cívicas e nas bocas dos meninos do futuro. Estou mais rico hoje, de uma riqueza insubtraível. Tenho um amigo eterno. Um amigo cuja voz jamais será silêncio e antecede na vertigem prenúncio de nossa jornada. Ao Zé de todos nós, estendemos as mãos, um abraço, como quem toca e abraça a poesia, como quem abraça e toca a glória de toda herança que nos lega nossa frágil e gloriosa existência.  Como diriam meus amigos espano-falantes: Amigo Zé, nós que estamos chegando, o saudamos: “H A S T A  S I E M P R E !”


*Aidenor Aires – escritor, da Academia Goianla de Letras, presidente da Academia Goianiense de Letras.

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