ADEUS A JOSÉ MENDONÇA
TELES
*
Viver mais um dia. Ver os dias emagrecendo, encurtando,
exaurindo. Não perdem o brilho os dias despertados pela aurora, esplendentes ao
sol do meio céu, nem no escuro sanguíneo dos ocasos do planalto. Os dias vão se
ofuscando nos olhas derramados para a sequiosa pátria do retorno. Vão
escorregando nas mãos que adeusam resvalando, fugindo implacáveis entre nossos
dedos. Os dias fatigados morrem nos meninos mortos, nas flores murchas, nos
amores destroçados, no ruir dos gestos, dos sorrisos e do pulsar dos amigos. Há
os que partem sem haveres ou bagagens. Há, porém, os que vão carregados de
leveza e pluma. Não levam cofres, rebanhos. Mais uma vez estou aqui, não
cansado, mas só e entristecido o ocupando o púlpito da despedida. Partindo em
suas vestes cândidas o amigo, poeta e homem fraterno, Jose Mendonça Teles, filho
da doçura musical e estóica de D.Celuta; irmão de muitos irmãos, amigos de muitos
amigos. A vida não desembarcou de uma vez em sua estação definitiva. Impôs-lhe
a via dolorosa, o caminho acúleo de sarças e pedras. Apontou os carrascais de
dor sem caminho, sem palavras, sem sorrisos. Duras penas. Coroá-lo com o louro sangrento dos poetas.
Cantou, abraçou, sorriu na ágape solidária, desmerecendo a amarga ambrosia dos
momentos súplices. Mas os olhos postos na indefinição das visões anunciam que é
chegada a final libertação dos ossos, da carne para galgar degraus ajardinados de
transcendência. Agora, meu amigo José Mendonça escapa, num gesto maroto, bem do
seu feitio, do mapa perecível.Com sua bagagem diáfana de poemas, livros,
alfarrábios e jornais vai zombando da dor exilada, espalha luzes que seguirão
passos futuros jamais interrompidos pela “indesejada das gentes”. Mais ainda,
que as palavras aladas, carrega em estelas escorrendo de suas mãos aqueles
afetos, aquele dar-se em coragem, ensinamentos e apoio. Escreveria um livro em
testemunho do que o vi passar. Passar comigo, com seus parentes e afins, com
seus amigos. Talvez um dia enumere aqueles momentos que, não houvesse uma obra
literária haveria uma inelutável obra humana. Muitos leitores sabem do que
estou falando. Quando me passe a dor deste transe e venha palavra capaz em minha
boca falarei disso em honra ao filho de D. Celuta, pai da artista Alessandra,
da professora Giovana, esposo de D. Ana e pai de muitos filhos herdados dos
leitos solertes da vida. Agora, porém, sem que não será esquecido. Está
dissolvido nas ruas da Campininha, nas águas do Araguaia, na canção da chuva,
nas ruas da Cidade do “Ó/Cio, em cada fachada art- decò, em cada sítio de
memória de Goiânia. Não há que se falar em morte ou desaparecimento do Zé
Mendonça. Sua Alma será sempre Matutina. Irá amanhecendo com o tempo que, antes
de escondê-lo, revela-o no mapa intangível. Viverá propicio, alegre e trêfego o
Zé Mendonça quando nos reunirmos para celebrar a vida e a alegria, quando
erguermos uma taça de vinho, quando formos a Pirenópolis e aplaudirmos as pastorinhas.
Estará vivo para além de nossas lembranças. Estará ao lado de Joaquim Thomaz
Jayme batucando o rítimo evocativo do Hino de Goiás. Estará nas solenidades,
nas festas cívicas e nas bocas dos meninos do futuro. Estou mais rico hoje, de
uma riqueza insubtraível. Tenho um amigo eterno. Um amigo cuja voz jamais será
silêncio e antecede na vertigem prenúncio de nossa jornada. Ao Zé de todos nós,
estendemos as mãos, um abraço, como quem toca e abraça a poesia, como quem
abraça e toca a glória de toda herança que nos lega nossa frágil e gloriosa
existência. Como diriam meus amigos
espano-falantes: Amigo Zé, nós que estamos chegando, o saudamos: “H A S T A S I E M P R E !”
*Aidenor Aires – escritor, da Academia Goianla de Letras,
presidente da Academia Goianiense de Letras.
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