ELEGIA EM
NOME DE DURVAL NUNES
Aidenor Aires*
Bateu à
minha porta
o rumor de
tua ausência improvisada.
Ainda há
pouco, conversávamos sobre os apriscos,
o balir das
cabras no apojo dos borregos.
Celebravas o
zumbido doce das colmeias
dessedentando-se
nas flores da caatinga,
nas águas do
riacho.
Não
concluímos aquela conversa sobre cantiga da terra,
o gemer das
florestas, o lacrimejar dos ramos,
o tênue
orvalho nos racimos que a pesarosa
mão do homem
dilacera.
Ainda há
pouco, me confidenciavas o mugido da rês
lambando os
barreiros das encostas.
Que louvação
e sofrimento gemiam nos aboios,
nas
ladainhas de crença, fé e sonho!
Neles se
compraziam os perdidos do sal e da ternura.
A bênção que
proclama mãe Calima, e todas as mães
de filhos
partidos na infância, que jamais retornarão.
Olhávamos o “Rio
Preto, de Águas Cristalinas”,
e
desenhávamos no espelho rútilo
utopias de canto e poesia.
Olhávamos a
Barra do Rio Grande escalando rochas, peraus
e correntezas
para chegar,
arfando nos vapores, ao pétreo leito das barreiras,
sem a
dormências das rasuras assoreadas.
Depois o rio
se desmanchava em braços, em nervos, em veias
sondando os
vales, a doce babugem no cio
dos gerais.
Ainda
buscávamos palavras para falar de exilados pés-duros
remoendo na
secura as flores roxas da jitirana.
Ainda
conversávamos, à mesa, como irmãos reencontrados,
sobre os
poemas que fizemos.
Outros que
cantaremos.
E aqueles
que os poetas do futuro escreverão.
Falávamos da
gente, da pele morena e dos rostos rosados
das caboclas
púberes.
Eram tantos
os seres, as gentes, as histórias,
salvos da
vertigem do perecimento.
E com voz rouca do rocio tardo,
sustentávamos
o canto,
já alumbrando
nossos olhos a luz da madrugada.
Sem aviso, enfim,
foi se calando a tua voz.
Mas, no meu silêncio
não falei sozinho.
Mesmo com
meus braços alongados
par o chão
das despedidas,
continuei
ouvindo a tua voz.
Era voz que ensinava o linguajar da passarada,
as cantigas
de todo bicho que se move ainda
entre arados e erosões.
de seresteiros, de poetas e meninos.
Eram vozes que o silêncio da morte não calava.
Apenas pedi
ao vento cerrar a litania.
Interromper
o despetalar das solares tabebuias.
Pedi às
águas pausar a marcha dos cardumes e
o alarido
das corredeiras.
Pedi aos
seres da terra, das águas e do ar
para escutar
comigo as vozes órfãs que perderam seu cantor.
E como ele
retomasse a palavra e cantasse,
eu me calei.
Calou o rio.
Calou o vento na floresta prosternada.
E o poeta empolgou a voz: Continuem o canto!
Que quem
canta na dor e no sorriso, tantas vozes,
ainda que
doendo, não cantará sozinho.
*Aidenor Aires é membro da Academia
Barreirense de Letras,
da Academia
Goiana de Letras e presidente da Academia Goianiense de Letras.
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