quinta-feira, 23 de julho de 2020

ELEGIA EM NOME DE DURVAL NUNES



ELEGIA EM NOME DE DURVAL NUNES
                                            Aidenor Aires*


Bateu à minha porta
o rumor de tua ausência improvisada.
Ainda há pouco, conversávamos sobre os apriscos,
o balir das cabras no apojo dos borregos.
Celebravas o zumbido doce das colmeias
dessedentando-se nas flores da caatinga,
nas águas do riacho.

Não concluímos aquela conversa sobre cantiga da terra,
o gemer das florestas, o lacrimejar dos ramos,
o tênue orvalho nos racimos que a pesarosa
mão do homem dilacera.

Ainda há pouco, me confidenciavas o mugido da rês
lambando os barreiros das encostas.
Que louvação e sofrimento gemiam nos aboios,
nas ladainhas de crença, fé e sonho!
Neles se compraziam os perdidos do sal e da ternura.
A bênção que proclama mãe Calima, e todas as mães
de filhos partidos na infância, que jamais retornarão.

Olhávamos o “Rio Preto, de Águas Cristalinas”,
e desenhávamos no espelho rútilo
 utopias de canto e poesia.
Olhávamos a Barra do Rio Grande escalando rochas, peraus
e correntezas
para chegar, arfando nos vapores, ao pétreo leito das barreiras,
sem a dormências das rasuras assoreadas.
Depois o rio se desmanchava em braços, em nervos, em veias
sondando os vales, a doce babugem no cio
 dos gerais.

Ainda buscávamos palavras para falar de exilados pés-duros
remoendo na secura as flores roxas da jitirana.
Ainda conversávamos, à mesa, como irmãos reencontrados,
sobre os poemas que fizemos.
Outros que cantaremos.
E aqueles que os poetas do futuro escreverão.

Falávamos da gente, da pele morena e dos rostos rosados
das caboclas púberes.
Eram tantos os seres, as gentes, as histórias,
salvos da vertigem do perecimento.
 E com voz rouca do rocio tardo,
sustentávamos o canto,
já alumbrando nossos olhos a luz da madrugada.

Sem aviso, enfim, foi se calando a tua voz.
Mas, no meu silêncio não falei sozinho.
Mesmo com meus braços alongados
par o chão das despedidas,
continuei ouvindo a tua voz.
 Era voz que ensinava o linguajar da passarada,
as cantigas de todo bicho que se move ainda
 entre arados e erosões.
 de seresteiros, de poetas e meninos.
 Eram vozes que o silêncio da morte não calava.

Apenas pedi ao vento cerrar a litania.
Interromper o despetalar das solares tabebuias.
Pedi às águas pausar a marcha dos cardumes e
o alarido das corredeiras.
Pedi aos seres da terra, das águas e do ar
para escutar comigo as vozes órfãs que perderam seu cantor.

E como ele retomasse a palavra e cantasse,
eu me calei.
Calou o rio. Calou o vento na floresta prosternada.
 E o poeta empolgou a voz:  Continuem o canto!
Que quem canta na dor e no sorriso, tantas vozes,
ainda que doendo, não cantará sozinho.



*Aidenor Aires é membro da Academia Barreirense de Letras,
da Academia Goiana de Letras e presidente da Academia Goianiense de Letras.









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