I – Compáscuo
O cerrado exalta sua teimosia humana.
Lá estão os pastos ressequidos,
gáudio magro para os
estivais rebanhos.
Clamam no pastoreio a exaustão das ervas.
Caminham para o vento eriçando os colmos exilados
na estação mais dura.
Malgrado o azul sem augúrio, de céu nublado e chuva,
ainda vou ceifando flores
no compáscuo de luz solar e tardios rebanhos.
Com humana teimosia a terra exalta a nascitura brisa,
flash de suave secura, unhas de sede.
E como quem dá à luz um plenilúnio
as minhas mãos desenham o que transpira,
cujo destino é ser a trilha de bordada sombra,
o verde suspirar de
uma vereda.
II –
Terra
Sempre esteve aí, sob a marcha inexorável.
Altas florestas, rios, montes, e mesmo o insatisfeito mar
se escora em sua alma côncava.
Impassível, balouça a rede do mundo
desfilando nos turvos céus o fósforo inalcançável das
estrelas.
Aferro-me amoroso à epiderme
de seus vulcões acesos,
no abismo escuro espero animosa flor de erupções.
Sou apenas o pequeno e nascituro desafio da carne.
Meu ajuntado de músculos e ossos
carregam em seu farnel de sonhos
cidades, muralhas e destroços.
Deixei a exaltada arquitetura das multidões.
Ínfima rebeldia, caminho por vales, cerros e desertos.
Vem, acolhe o magro espólio, o desamado comodato:
desta alma débil, extremo canto e dor impura.
No dealbar da estrada havia sendas. Sem cavalgar, voltei.
Abandonado, nas estações candentes,
contido em barro, esperei sozinho.
III - Revoadas
Logo será a manhã das revoadas.
Recolho sangrando de crepúsculo aquelas memoriais jornadas.
Na altura, em sobrevoo, deixam adeuses às várzeas
em celebração de pátria.
Chegar e partir é dor - paroxismo extremo.
Nascer e morrer é nossa conta de fel e de suor.
Viver inclui cansaço e sede de alcançar
a falta que um porto apenas inaugura.
Logo será a manhã das revoadas.
Embarcaremos nas velas embebidas de vento e espuma.
Ai, lágrimas escorrendo nas praias!
Ai, desfiado pranto de sal pelos trapiches
desgarrados de todo chão e todo azul.
Em baixo a terra, o berço amado - torrão,
aconchego e infância de lidimas estações.
Logo será a manhã das revoadas.
Tudo que resta para trás é desalento.
Para lá aportam os amores verdes, sem outonos.
Por lá padecem as infâncias que não vingam,
corpos curvados, mão vazias e canções
que, magoadas, apenas balbuciam
o pizzicato de todo desencanto.
Pacha-Mama, 25 de julho de 2020
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