terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Por onde ia... (Quaresmeiras)

DE MINHA ANATOLOLGIA PESSOAL
Por onde ia acariciava no olhar...
              (Quaresmeiras)



Por onde ia acariciava no olhar
de ventura tão breve
as quaresmeiras acentuando em roxo
o esvair do dia.

Não falavam elas da tristeza
que a alma roía pelas ramas,
nem do desamparo
que o acolchoado musgo
segreda pelas pedras.


Naquelas flores roxas
não pousava a tristeza da vida,
nem a desolação do amor,
nem a humana flor caída.
Abriam apenas o gineceu
propício à fecundação solar.
Apenas levantavam no cálice
a cor que a estação desenha
sobre a luz de exaltação e nácar.


Não servem suas flores roxas
ao anúncio as sextas-feiras tredas.
Não serve seu aleteado esgar,
como feridas, nas salvas do vento.
Não servem ao pão amargo do poeta
sua escassa fome, seu negado alimento.


Balançam, sem pejo, no álacre estrépito
que o dia move perecendo.
E não se dão conta, essas flores roxas,
de nenhum sentir que a humana
e s exasperada angústia exala.
Não conciliam sobre o perdido amor
nem sobre a falta pungente
                    que, ao fluxo, oclui e cala.


Seguem no vento o com seu bailado
de indiferente formosura e viço.
Apenas pulsam na gratidão solar do dia.
Apenas comungam na glória da estação,
sem pressa, sem temor, sem tempo,
negando a ânsia de intenção,
que em tudo, humana dor
                                          e humanos olhos viam.




sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018





PROFESSOR JOSÉ FERNANDES, UM BRINDE À VIDA
                                                                    Aidenor Aires*

Ferido com a morte de mais um amigo, vejo um vazio que se abre entre aqueles que fizeram das letras seu mote existencial. A falta que traz a partida de José Fernandes é uma ausência múltipla. Não desaparece apenas o homem. Vai o professor, o poeta, o crítico literário. Gostaria que sua substância, sua humanidade, demorada no arcabouço da matéria, fosse recebida pelas mentes que demoram na memória dos homens. Ah, pudesse ele encontrar Virgílio, Sócrates, Epicuro, Horácio, Dante, Petrarca, Camões, Drummond, M. Bandeira, Yêda Schmaltz, José Décio, Carmo Bernardes, Bernardo Élis e muita gente mais, que o distraísse das misérias deste mundo de homens sem rostos e sem tripas. Sei que o país para onde vai é puro mistério. Sei que, como homem de fé e cristão, sonhava com essas paragens celestiais e de contemplação perene, como prêmio de sua caminhada terrena cheia de esforço, virtudes, estudos e valores.  Talvez esteja no lugar onde vigem o amor e as altas estrelas, ou o seleto cenáculo dos que são convidados à ágape dos deuses, descansando das atribulações deste mundo. Tão pouco para tão grandes sofrimentos. Em razão de, com o tempo ir perdendo a fé, com o pouco que me resta, deixo de fazer prognósticos sobre a futura vida de eternidades. Nesses mundos de tantas promessas e vária utopia deve haver vidas que nossas vidas, por precárias, não compreendem. Para mim o além é território de cegante de luz e mistério, que alumbra e confunde a mente. Fico apenas no umbral imaginando felicidades. Me anima um leve e possível sonho de compreensão. Fico pequeno ante o portento dos deuses que, não existindo, manejam as vidas e os destinos dos homens. Como não sei a linguagem dos anjos nem o célico dialeto, paro frente ao seu livro heráldico e indecifrável. Atemorizado. Não ouso sondar essas estâncias de interrogação e sonho. Nesse mapa, do Professor José Fernandes, não sondo as romagens da morte, nem seus caminhos, nem seu possível canto, nem seu humano afeto, nem sua santa pedagogia. Falo apenas nesta homenagem, tão pobre e sem lustro, do ser humano, do mestre e escritor que conheci. Falo, amigos meus, de sua vida de dias e anos por aqui. Falo do ser humano, do amigo, do intelectual, do homem de família de sonho e fé que conheci. Compartilhamos pão, poesia e algumas taças de vinho. De sua vida sei que arrostou duros trabalhos para se formar. Que se transformou num mestre paciente e culto, generoso em repartir os conhecimentos através dos dias, nem sempre donairosos e gentis para com ele. Sei de sua cordialidade, sempre disposto a atender alunos, consulentes e amigos. Tinha sempre uma palavra de estímulo na leitura de textos, na redação de artigos críticos, prefácios e ensaios, reservando sempre disponibilidade para a construção de poemas profundos em sofisticado e criativo manejo da língua portuguesa. Conhecedor do latim e do grego, ainda há pouco me socorreu numa consulta sobre a língua de Cícero. Isso faz notícia de sua vasta obra de escritor, pesquisador e crítico, parte dela guardada nos vários livros que publicou. Boas lembranças me confortam de nosso conhecimento. O convívio dos filhos, o encanto dos netos, o carinho dedicado à esposa, tão em sacrifício de saúde nos últimos dias. Olhando daqui, do momento em que fecham se as cortinas da vida, olho como olharia Emanuel Mounier, ou Gabriel Marcel, existencialistas cristãos. A morte é que dá sentido à vida. Fecham se as cortinas, encerra-se o espetáculo com seus atores e enredos. A plateia se calará ou se levantará em gritos, assobios, vivas e “bravos!” À gloriosa encenação de José Fernandes, em todos os atos de seu épico drama, nós nos levantamos e aplaudimos, pedindo que retorne à cena ainda várias vezes. Enfim, proclamamos nosso júbilo com estridentes e agradecidos gritos, com vibrantes e sonoros “vivas!”. As cortinas se fecham brevemente para reabrirem-se em palco coroado de louros e de flores. Este foi o amigo que conheci. É dele que falo. E mesmo querendo não morrerá. Viverá gentil e sábio em sua obra, na memória de sua família e de seus amigos. É sobre ele que testemunho. Aceno, nesta hora, apenas o lenço de “Até Breve!”


*Aidenor Aires é escritor, presidente da Academia de Letras de Goiânia.