PAPAGAIO REAL, VOLTAR
PRA PORTUGAL!
Neste início do na de 2017, deixando em
esforço de esquecimento o que se finda, cabe algumas reflexões sobre enfermidades
teimosas que acometem o corpo do Gigante deitado. Uma vez, nos tempos da última
ditadura, assisti à palestra de uma alta patente do regime, egresso da Escola
Superior de guerra. A conferência fazia parte da disciplina Estudos de
Problemas Brasileiros, então em voga nas universidades. Após desfiar com
entusiasmo argumentos geopolíticos, território de configuração continental,
riquezas estratégicas, e demais itens pertinentes à disciplina nomeada pelo
sueco Rudolf Kjellén, demorou no quesito população. Concluiu, em minúscula síntese,
digo eu, que todos esses aspectos de base material eram favoráveis e, ufano,
exaltou esses infindáveis, infinitos e disponíveis recursos a serem mobilizados
para alavancar o despertar do Gigante sonolento. Havia, porém, um entrave. A dúvida
sobre o homem brasileiro. Não se tinha certeza sobre a viabilidade desse estranho
ser vindo de uma colonização criminosa, do estupro e do massacre dos indígenas,
do sangue da escravidão. Nem mesmo a mestiçagem que se formou depois podia dar
certeza das faculdades de progresso dessa heterogênea formação humana.
Partilhava o conferencista de ideias comuns a estrangeiros e brasileiros.
Aquelas de que o homem brasileiro, como produto infeliz de uma miscelânea
étnica cultural, estava fadado ao fracasso e, possivelmente com ele, o país.
Não quero dar razão àquele teórico autoritário filiado a o euro centrismo
excludente e preconceituoso. Mas, os primeiros cronistas informam que os
portugueses que aqui vinham buscar riquezas, tinham como objetivo levar o que
podia para Portugal. Pau Brasil, ouro, pedras preciosas, animais, plantas, açúcar,
suor e sangue humano. Não queriam criar raízes e só defendiam a terra quando
suas riquezas eram ameaçadas, ou corriam risco as fronteiras da fé e do Império.
Brasileiro não podia ter escola, livro, estradas ou poder de decisão. Como
herança desse desamor inicial, parece que herdamos e continuamos cultivando um
ferrenho desamor por esta terra. Pelo menos a maioria da elite que tem poder.
Apropriam-se do que tem o país, das riquezas naturais, daquelas produzidas pela
transformação industrial e, o que parece pior, apropriam-se dos sentimentos e
dos sonhos da população. Como os portugueses, ensinavam aos seus louros: “Papagaio real, voltar para Portugal. Desprezo
nauseante cultivam pela terra e a gente. Enriquecem na esperteza, confundem o
público com o privado. Pouco se importam com a miséria, a fome, a ignorância.
Se possível, aproveitam-se dessa condição das extensas massas miseráveis,
dedicando a elas um paternalismo subjugante, mantendo assim clientela
permanente de suas ambições gamonais. O brasileiro, tratado por diversos
rótulos redutivos, como preguiçoso, malandro, “safadão”, lubrico, abestado, em
suma, irresponsável, sofre a contínua lavagem cerebral que o leva a aceitar
como normal, e até motivo de orgulho a ser mostrado e exportado. A baixa
estima, o coitadismo, o cinismo ou o histrionismo passam a ser características
exaltadas pela mídia, pela publicidade, pela moda e, claro, pela política. Basta
ver os apodos dos candidatos nas eleições. E os que são eleitos. O jogador de
futebol analfabeto, o que nunca leu um livro e vira presidente. O religioso
inculto, o policial criminoso, o traficante, e até o abestado ou qualquer poste.
A gente sem auto estima, acostumada a fazer rir ou rir de si mesma. Acha normal
essas escolhas, porque, em fim, escolhe alguém igual a si mesmo. Dele se cobra
apenas o espetáculo, o carnaval, a torcida histérica. Neste cenário não há
lugar para pensadores, professores, cientistas e estudiosos. São esquecidos,
desestimulados e só são reconhecidos, muitas vezes, depois de serem consagrados
no exterior. Não queria ir por esse caminho pessimista. Não penso que a
população brasileira se divida em lesos e aproveitadores. No correr do tempo
negou-se a nossa gente oportunidades, educação, tratamento digno, cevando a
baixa estima que faz nossos filhos fugiram para outros países exercitarem
ofícios degradantes, clandestinos e humilhantes. Quando voltam, com alguns
dólares, sentem-se maiores, mais gente, mais feliz - superiores. Nunca
concordei com esse desenho do brasileiro. Passei minha vida observando,
discutindo nossa cultura, sondando nossas identidades. Como fruto mestiço da
exclusão,o que vejo é resistência. É luta desigual. Poucos têm tudo. Enchem as
burras e depositam em contas nos paraísos fiscais. Lavam dinheiro em fazendas,
boiadas, leilões e laranjais, que não produzem frutas, mas usufrutos. Não fora
a Lavajato, jamais saberíamos a extensão do saque, do esbulho, do parasitismo
que as chamadas elites políticas praticam contra a nação. Para eles, de riso
alvar, caras recauchutadas e cabelos tingidos, nós somos o rebanho a ser
tosquiado, sangrado, abatido. Cabe a nós demonstrar o contrário. Não deixar
morrer o trabalho do juiz Moro, dos procuradores do MP, da Polícia Federal e
dar a resposta à súcia, não só na indignação das ruas, mas no recôndito das
urnas, exigindo inclusive dos partidos, a explicitação de seus programas e a
seleção dos candidatos que impingem ao eleitor. Penso que este país já não é o
mesmo. E que já estamos autorizados a ter alguma esperança.
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