domingo, 1 de janeiro de 2017

PAPAGAIO REAL, VOLTAR PARA PORTUGAL!





PAPAGAIO REAL, VOLTAR PRA PORTUGAL!





   Neste início do na de 2017, deixando em esforço de esquecimento o que se finda, cabe algumas reflexões sobre enfermidades teimosas que acometem o corpo do Gigante deitado. Uma vez, nos tempos da última ditadura, assisti à palestra de uma alta patente do regime, egresso da Escola Superior de guerra. A conferência fazia parte da disciplina Estudos de Problemas Brasileiros, então em voga nas universidades. Após desfiar com entusiasmo argumentos geopolíticos, território de configuração continental, riquezas estratégicas, e demais itens pertinentes à disciplina nomeada pelo sueco Rudolf Kjellén, demorou no quesito população. Concluiu, em minúscula síntese, digo eu, que todos esses aspectos de base material eram favoráveis e, ufano, exaltou esses infindáveis, infinitos e disponíveis recursos a serem mobilizados para alavancar o despertar do Gigante sonolento. Havia, porém, um entrave. A dúvida sobre o homem brasileiro. Não se tinha certeza sobre a viabilidade desse estranho ser vindo de uma colonização criminosa, do estupro e do massacre dos indígenas, do sangue da escravidão. Nem mesmo a mestiçagem que se formou depois podia dar certeza das faculdades de progresso dessa heterogênea formação humana. Partilhava o conferencista de ideias comuns a estrangeiros e brasileiros. Aquelas de que o homem brasileiro, como produto infeliz de uma miscelânea étnica cultural, estava fadado ao fracasso e, possivelmente com ele, o país. Não quero dar razão àquele teórico autoritário filiado a o euro centrismo excludente e preconceituoso. Mas, os primeiros cronistas informam que os portugueses que aqui vinham buscar riquezas, tinham como objetivo levar o que podia para Portugal. Pau Brasil, ouro, pedras preciosas, animais, plantas, açúcar, suor e sangue humano. Não queriam criar raízes e só defendiam a terra quando suas riquezas eram ameaçadas, ou corriam risco as fronteiras da fé e do Império. Brasileiro não podia ter escola, livro, estradas ou poder de decisão. Como herança desse desamor inicial, parece que herdamos e continuamos cultivando um ferrenho desamor por esta terra. Pelo menos a maioria da elite que tem poder. Apropriam-se do que tem o país, das riquezas naturais, daquelas produzidas pela transformação industrial e, o que parece pior, apropriam-se dos sentimentos e dos sonhos da população. Como os portugueses, ensinavam aos seus louros: “Papagaio real, voltar para Portugal. Desprezo nauseante cultivam pela terra e a gente. Enriquecem na esperteza, confundem o público com o privado. Pouco se importam com a miséria, a fome, a ignorância. Se possível, aproveitam-se dessa condição das extensas massas miseráveis, dedicando a elas um paternalismo subjugante, mantendo assim clientela permanente de suas ambições gamonais. O brasileiro, tratado por diversos rótulos redutivos, como preguiçoso, malandro, “safadão”, lubrico, abestado, em suma, irresponsável, sofre a contínua lavagem cerebral que o leva a aceitar como normal, e até motivo de orgulho a ser mostrado e exportado. A baixa estima, o coitadismo, o cinismo ou o histrionismo passam a ser características exaltadas pela mídia, pela publicidade, pela moda e, claro, pela política. Basta ver os apodos dos candidatos nas eleições. E os que são eleitos. O jogador de futebol analfabeto, o que nunca leu um livro e vira presidente. O religioso inculto, o policial criminoso, o traficante, e até o abestado ou qualquer poste. A gente sem auto estima, acostumada a fazer rir ou rir de si mesma. Acha normal essas escolhas, porque, em fim, escolhe alguém igual a si mesmo. Dele se cobra apenas o espetáculo, o carnaval, a torcida histérica. Neste cenário não há lugar para pensadores, professores, cientistas e estudiosos. São esquecidos, desestimulados e só são reconhecidos, muitas vezes, depois de serem consagrados no exterior. Não queria ir por esse caminho pessimista. Não penso que a população brasileira se divida em lesos e aproveitadores. No correr do tempo negou-se a nossa gente oportunidades, educação, tratamento digno, cevando a baixa estima que faz nossos filhos fugiram para outros países exercitarem ofícios degradantes, clandestinos e humilhantes. Quando voltam, com alguns dólares, sentem-se maiores, mais gente, mais feliz - superiores. Nunca concordei com esse desenho do brasileiro. Passei minha vida observando, discutindo nossa cultura, sondando nossas identidades. Como fruto mestiço da exclusão,o que vejo é resistência. É luta desigual. Poucos têm tudo. Enchem as burras e depositam em contas nos paraísos fiscais. Lavam dinheiro em fazendas, boiadas, leilões e laranjais, que não produzem frutas, mas usufrutos. Não fora a Lavajato, jamais saberíamos a extensão do saque, do esbulho, do parasitismo que as chamadas elites políticas praticam contra a nação. Para eles, de riso alvar, caras recauchutadas e cabelos tingidos, nós somos o rebanho a ser tosquiado, sangrado, abatido. Cabe a nós demonstrar o contrário. Não deixar morrer o trabalho do juiz Moro, dos procuradores do MP, da Polícia Federal e dar a resposta à súcia, não só na indignação das ruas, mas no recôndito das urnas, exigindo inclusive dos partidos, a explicitação de seus programas e a seleção dos candidatos que impingem ao eleitor. Penso que este país já não é o mesmo. E que já estamos autorizados a ter alguma esperança.

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